É limitado o número de brasileiros e
nordestinos que têm o conhecimento de que desde 1500, no início da colonização
do território Pindorama (primeiro nome do Brasil), já havia uma divisão entre as etnias indígenas que viviam nas diversas regiões, em especial com o lugar que hoje denomina-se de Região Nordeste. Incluindo-se o momento em que os lusitanos chegaram à terra que compreendiam como parte das “Índias”,
termo que indicava os territórios a serem conquistados pelo projeto de
navegação dos europeus em crise econômica.
Arqueólogos e antropólogos, dentre os quais citam-se,
respectivamente Valdeci dos Santos Júnior (2008) e João Pacheco Oliveira (2004),
apontam que quando os portugueses chegaram ao Pindorama, existiam aproximadamente
seis milhões de povos originários da terra. Estes falavam cerca de 600 línguas
diversas em todo o território. Mas, na parte Nordeste, estavam situados os
povos “tapuias”. Este termo é explicado por Pires (2002) como sendo definido
pelos Tupi e significa “o selvagem”, o bárbaro, os inimigos contrários. Pode
ser também identificado como o nome de uma das classificações dadas pelos
portugueses para os povos ameríndios em dois grandes grupos: os Tapuia e os
Tupi. Estes ocupavam os litorais e matas tropicais, aqueles os interiores e a
caatinga.
Os historiadores, arqueólogos e antropólogos
são consensuais em compreender que alguns Tapuia fugiram de outras regiões do
Brasil onde a colonização chegara e os
expulsara. Da mesma forma, já anteriormente aos europeus, esses grupos já haviam
sido expulsos pelos Potiguara – que os empurraram do litoral para os
interiores.
Em síntese, os Tapuia eram os povos que
habitavam a região Nordeste do Pindorama, território que no ano de 1527 foi
nomeado definitivamente como Brasil, após ter passado por uma sequência de
mudanças de nomes. E um dos viajantes portugueses da época, Gabriel Soares de
Souza, deixa isso muito bem assinalado em um de seus registros, chamado de
Tratado Descritivo do Brasil, escrito em 1587, quando menciona que os Aimoré
tinham origem em outros gentios que eram chamados de “tapuias”.
As línguas faladas pelos povos Tapuia foi o
primeiro motivo de separação deste povo dos indígenas brasileiros das outras
regiões, além de serem também mais selvagens, dotados de valentia mais intensa,
tanto que foram chamados de bárbaros, embora, estudiosos atuais tenham
explicações pertinentes para não os conceber como povos bárbaros.
Segundo Santos Júnior (2008), os troncos
linguísticos falados pelos Tapuia do sertão do Nordeste eram quatro: o Tupi, o Macro-Jê, o Aruaque e um grande grupo de
línguas consideradas independentes, atualmente classificada como Tarairiú. Os
que viviam no litoral falavam línguas do tronco tupi e habitavam toda a costa
litorânea que na atualidade se situa desde São Paulo até o Ceará. Os “guaranis”
se situavam desde onde hoje se tem a costa paulista até o Rio Grande do Sul.
Esse povo tupi foi, segundo Oliveira e Freire
(2006), os primeiros a terem contatos com os europeus, por viverem no litoral,
também foram os primeiros a serem submetidos aos valores cristãos, aos códigos
e linguagens do colonizador e à ruptura de seus aspectos culturais. Já os Tapuia,
povos que eles denominavam de “bárbaros” e de língua de difícil compreensão, passaram
por esse processo bem mais tarde, e de forma distinta. Putoni (2002) afirma que
a política indigenista do índio do Nordeste foi totalmente diferente da dos
povos Potiguara.
Sendo os Tapuia índios do interior; habitavam
desde a margem oeste do Rio São Francisco, que agora é chamada de Bahia, até os
sertões de vários outros estados nordestinos.
A pesquisa de Santos Júnior (2008) esclarece
que a compreensão de que o Tapuia é uma denominação étnica, mesmo não sendo
considerado etnônimo, é construída ao longo do século XVII, quando surge a noção
de sertão como espaço imaginário. Foi um termo que recebeu várias grafias,
desde a mais antiga à mais moderna: Tapuyos,
Tapuhias, Tapuzas, Tapyyia, Tapuya, Tapuy ou Tapoyer, que hoje é Tapuia. Percebe-se que as diferenças que
separam o “tupi” do “tapuia” parecem ser mais voltadas para o campo linguístico
do que mesmo para o aspecto que demarca a identidade étnica no passado.
Mas, foi isso que determinou a presença do povo
Tapuia aqui no sertão nordestino, lugar que Putoni (2002) define de forma muito
clara como o País dos Tapuia. Isto porque todo o território do sertão era
habitado por esses autóctones. Eles viviam de caça e mudavam frequentemente de
lugar, procurando os melhores ambientes para a sobrevivência.
Os aspectos físicos também eram diferentes dos
que tinham os outros índios brasileiros.
Os
Tapuias possuíam semblante ameaçador, corriam iguais às feras, por isso eram
muito temidos. Eram inconstantes, fáceis de serem levados a fazer o mal. Eram
fortes, carregavam nos ombros grandes pesos. Ao irem para guerra, marchavam em
silêncio, mas no embate faziam bastante alarido, jogando setas envenenadas das
quais os feridos jamais escapavam (SILVA; PUFF, 2013, p. 1898).
Lopes (2003) complementa dizendo que são homens
e mulheres de corpo robusto, de ossos fortes e cabeça grande, de cor da pele
atrigueirada e cabelos pretos que parece-lhes trazer um boné na cabeça. Mas,
eram vistos pelos colonizadores de forma mais fortemente animalizada do que os
outros povos do Brasil.
Quanto aos costumes e culturas, Lopes (2003) descreve
que o povo Tapuia seguia a mesma tradição dos demais indígenas das outras regiões
do Brasil. “Todos, inclusive as crianças, costumavam pintar o corpo,
utilizando-se de uma tinta preta, extraída do jenipapo, e vermelha, do urucu.
Andavam nus, porém, com as genitais cobertas” (LOPES, 2003, p. 278). Eles
também usavam enfeites com perfurações nas orelhas, nariz, bochechas e
artefatos de penas de aves.
Segundo Macedo (2004), estudos contemporâneos indicam
a existência de três grupos culturais distintos aqui no Nordeste, denominado o
lugar dos Tapuia: os Cariri, os Tarairiu e os Jê, além de outros grupos isolados
que não foram classificados.
Pode-se fazer relação bastante estreita das
discriminações que são direcionadas ao nosso povo nordestino desde a
colonização até a atualidade, como base nas origens coloniais. Putoni (2002) enfatiza
que é muito pertinente registar e analisar o princípio que afeta todo o
processo de divisão dos indígenas do Brasil, entre os das outras regiões e os
do Nordeste. Segundo esse autor de um estudo sobre a Guerra dos Bárbaros, os Tapuia,
não somente foram concebidos como selvagens por serem sertanejos e muito menos
pelas características físicas e culturas que eram diferentes.
O ponto principal foi a RESISTÊNCIA às alianças
com os europeus quando estes queriam ampliar os territórios para fins de
exploração e os índios não aceitavam. A resistência desses autóctones teve como
consequência o corte nas legislações e na política indigenista e os intensos
massacres que mataram uma quantidade enorme de índios nos séculos XVII e XVIII.
De forma clara, Putoni (2002) cita que muitos
Tupi se tornaram vassalos, eles aceitavam fácil o domínio português; os Tapuia
resistiam e por isso estavam sujeitos a perseguições, massacres e fugas e
mortes. A divisão indígena entre os Tupi e os Tapuia causou uma bipolaridade na
legislação portuguesa: os índios de outras regiões eram coparticipantes do
processo, enquanto a política destinada ao Tapuia era de crueldade e
extermínio.
Não há dúvidas de que a barbárie ao povo
nordestino não está encravada em marcos históricos recentes, mas, faz parte de
um processo longo e cruel. A a luta por um lugar no espaço pelo nordestino é o que comprova a resistência
de quem hoje se autoafirma como indígena do Nordeste, pois resistir faz parte
do passado e do presente como forma de se dizer NÃO A BARBÁRIE desses povos!
Por Mônica Freitas
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